Carrossel - O poema

-Então temos todo o tempo do mundo.
-E para onde me levas?
-Sei lá! Nem sei bem onde estamos. Não conheço quase nada nesta zona.
-Então porque quiseste combinar encontrarmo-nos aqui?
-Por isso mesmo. Cheira-me a mar.
-Sendo assim, proponho que vamos para a esquerda.

Abri a bolsa e tirei a máquina fotográfica. Adoro fotografar, com ou sem máquina. Um dia quero-te fotografar com máquina. Será que, se pedisse, aceitavas? Serias o meu modelo por, pelo menos, um dia?

Lá fomos, meios perdidos, explorar e a fotografar aquele lugar. Deambulamos por ruas, calçadas e vielas, passamos por fontes, monumentos, igrejas e estátuas e outras coisas únicas. Só te conseguia ver a ti. Tudo não passava de uma desculpa para estar contigo.

Peguei numa pedra que descansava, à sombra, no passeio e comecei a ensaiar malabarismos com ela. Chegamos a um cruzamento, o sinal dos peões estava verde a piscar e a fugir para o vermelho. Aproveitei e dei-te a mão. Atravessamos a rua a correr de mão dada. Larguei-te a mão a custo e continuamos a andar bem devagar. Já do outro lado da rua encontramos a entrada de um jardim. Entramos.

-Às vezes gosto de falar sobre coisas sérias. Sabes, eu no fundo não sou quem pareço ser, é apenas uma máscara...

Tiraste-me a pedra da mão, olhei para ti e vi um sorriso traquina. Atiraste a pedra em jeito que caiu no número 6. Fotografei-te.

-Eu também. - quase gritaste enquanto começavas a pular ao pé coxinho no jogo da macaca que estava esculpido no chão de terra batida. Reparei nas tuas meias, aquelas que gosto tanto. Nem sei bem porquê, acho que simplesmente combinam contigo.

Saltaste com a cadência de anos de experiência de menina até ao fim e voltaste-te a saltar para regressar. Senti uma vontade súbita de te beijar. Debruçaste-te para apanhar a pedra e o decote, apesar de fechado, denunciou a gravidade. Não, definitivamente não trazias sutiã.

Mudei outra vez o assunto.

-Escrevi-te um poema.
-Sim? Mas tu nem gostas de escrever.
-Demorei umas horas confesso. Quis experimentar exprimir em palavras o que sentia.
-Muito bem. Posso ler?
-Acho que sim. Escrevi-o para ti. - procurei os muitos bolsos espalhados pela roupa à procura daquele pedaço de guardanapo de papel fino e amarrotado em que rabisquei O poema.

Guardei a máquina na bolsa. Neste bolso, o telemóvel. Não. Neste bolso, a carteira. Não. Neste bolso, as chaves e moedas. Não. Neste bolso, uma fotografia nossa, de um feriado festejado juntos à muito tempo. Ups, pensava que a tinha guardado noutro sítio. Não. Lançaste-me Aquele olhar. Neste bolso, um ror de papeis amarrotados. Não, não, não, não e não. Já sei! Guardei no bolso de trás das calças, onde não costumo guardar nada, para não me esquecer! Eis-lo.

Peguei no papel com cuidado, desdobrei-o, li-o outra vez para mim e dei-to para a mão.

Encostaste-te a mim, tremi. Seguraste o papel com uma mão enquanto a outra segurava a pedra. Estava todo escrito e riscado por cima, prova de que não tinha saído bem á primeira. No papel apenas estava escrito, em caligrafia de máquina:

INSPIRAS-ME.

- Gostas?

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